São Paulo – “Nem tão perto, nem tão longe”: é assim que deve ser a relação entre setor público e setor privado, de acordo com Peiro Ghezzi, ex-ministro da produção no Peru.
Ele foi um dos especialistas que debateram nesta terça-feira (28) o relatório do Banco Mundial intitulado “Um ajuste justo – propostas para aumentar eficiência e equidade do gasto público no Brasil”.
Encomendado pelo ex-ministro da Fazenda Joaquim Levy ainda no governo Dilma Rousseff e divulgado na semana passada, ele dá recomendações sobre a continuidade das políticas de apoio às empresas no país.
O processo de criar (e desmontar) incentivos tem suas armadilhas. Coordenação de menos implica ficar alheio às demandas e ao cotidiano do setor privado:
“Quando os incentivos são mais alinhados ao mercado, tem mais impacto”, diz Xavier Cirera, economista do Banco Mundial que participou do estudo, citando o caso do Pronatec.
Mas coordenação demais implica o risco de captura regulatória e de uma agenda que favoreça os capitalistas em detrimento do capitalismo.
No limite, leva ao que vimos na história recente do país: corrupção, um Estado inflado e crise fiscal sem benefícios tangíveis para a população.
“A indústria brasileira esteve com a agenda errada nos últimos 10 anos. Ao invés de olhar do ponto de vista geral, ficou muito no varejo: pediu um programa aqui e um programa acolá, mas que acabaram gerando um problema macroeconômico”, diz Samuel Pessôa, do Ibre/FGV.
Angelo José Mont’Alverne Duarte, subsecretário do Ministério da Fazenda, diz que ao invés de pensar nas vantagens comparativas de cada região, muitos agentes do setor privado e governantes acreditam que a única forma de enriquecer é copiando o perfil econômico de uma região rica.
No caso do Brasil, isso gerou uma obsessão com incentivos pontuais ao setor industrial. O relatório do Banco Mundial aponta uma economia potencial de 0,38% do PIB com a reformulação de isenções tributárias fornecidas à Zona Franca de Manaus, por exemplo.
“A Zona Franca aumenta o PIB per capita, mas não a renda per capita. Quem se apropriou disso não é quem está lá. o beneficio é apropriado mais pelo capital do que pelos trabalhadores que estão lá”, diz Angelo.
João Manoel Pinho de Mello, chefe da Assessoria Especial de Reformas Microeconômicas do Ministério da Fazenda, diz que a orientação do governo agora é outra: se concentrar em resolver problemas de coordenação e em prover bens públicos.
“A gente precisa diminuir um pouco esse fetiche com a indústria e dar mais atenção para as políticas horizontais. Essa é a nossa agenda”, citando leis que garantam mais segurança jurídica e mudanças no mercado de crédito como a nova taxa de juros de longo prazo.
Ele reconhece que se trata de “trocar o pneu com o carro andando” e que há um equilíbrio complicado em desmontar incentivos sem tornar o país ainda mais hostil às empresas que fizeram seus planos de investimento em outro cenário.
A Mercedes fez planos de investimento baseados no Inovar Auto, que agora foi condenado na Organização Mundial de Comércio e deve ser substituído pelo Rota 2030, ainda sem detalhes claros.
Timothy Sturgeon, pesquisador sênior do MIT que estudou o programa, disse que essas transições são sempre dolorosas.
Para ele, o importante a partir de agora é trabalhar a especialização da indústria automobilística e permitir exposição à competição ao invés de tentar integrar toda a cadeia do setor dentro do país.