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COLUNA CARF
CARF e a retificação de obrigações acessórias para validação do crédito extemporâneo
Tema presente no cotidiano dos contribuintes, a discussão sobre a obrigação ou não da retificação das obrigações acessórias para lançamento de valores decorrentes de pagamentos a maior ou indevidos, assim como para apuração créditos fiscais extemporâneos, notadamente de PIS e de COFINS, como não poderia deixar de ser, é também assunto recorrente no âmbito Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF).
Entretanto, não obstante a presença constante em discussões naquele órgão julgador, infelizmente ainda não se verifica a esperada uniformidade de entendimento necessária para dar a devida segurança aos contribuintes no planejamento de suas ações e rotinas tributárias. Tal inconsistência é bem refletida em dois acórdãos proferidos pelo CARF, o primeiro pela 2ª Turma da 3ª Câmara (Acórdão nº 3302-006.563[1]) e outro pela 2ª Turma da 4ª Câmara (Acórdão nº 3402-008.178[2]), ambos da Terceira Seção de Julgamento, que em um curto espaço de tempo analisaram o assunto e chegaram a conclusões opostas, conforme examinaremos a seguir.
Com efeito, não raras vezes, ainda mais em um ambiente tributário altamente complexo como o brasileiro[3], os contribuintes ao revisarem suas obrigações fiscais identificam saldos de tributos a recuperar, seja por força da verificação de pagamentos indevidos ou a maior, seja pela apuração, nos casos de tributos sujeitos à não-cumulatividade, de créditos escriturais que deixaram de ser aproveitados em momento oportuno.
A fim de regulamentar tais situações, determinados comandos normativos infralegais como, por exemplo, o artigo 11 da Instrução Normativa nº 1.252/2012, que dispõe sobre a Escrituração Fiscal Digital das Contribuições – EFD-Contribuições, estabelecem a necessidade de retificação/substituição dos arquivos digitais obrigações acessórias para se formalizar a alteração nos registros relativos aos créditos e valores apurados das contribuições, entre elas, do PIS e da COFINS.
A esse respeito, nos parece não haver dúvidas que a retificação das obrigações acessórias tem como justificativa principal a melhor identificação ao Fisco acerca da origem dos valores de créditos escriturais ou pagamentos a maior apurados e pleiteados pelos contribuintes, pois ao se proceder com a retificação os arquivos deixam clara a divergência entre a apuração original e a retificada, facilitando o caminho de origem daquele crédito apontado pelo contribuinte.
No entanto, essa exigência procedimental consistente na retificação de obrigações acessórias, não há de ser confundida com a existência do direito material ao crédito tributário identificado pelos contribuintes a posteriori, mas ainda dentro do prazo hábil estabelecido pela legislação.
Neste ponto, embora seja uma afirmação aparentemente óbvia, não pode haver dúvidas que não é a retificação das obrigações acessórias que faz surgir o direito ao crédito escritural ou indébito tributário pleiteado pelos contribuintes, mas sim que tal direito decorre da verificação da efetiva apuração realizada pelos contribuintes originalmente e complementadas por dados identificados em momento posterior, seja qual for a razão pela qual essas informações não foram consideradas no momento adequado (dúvidas sobre a legislação tributária, erro material na apuração de valores, alteração de procedimentos fiscais do contribuinte, etc.).
Em verdade, temos que o direito à promoção de ajustes que impactam no valor a recolher de tributos encontra-se amparado no próprio princípio da legalidade, assim como em disposições tais como o artigo 165 do Código Tributário Nacional (CTN), devendo ser apenas limitado pelas regras de decadência e prescrição aplicáveis ao procedimento.
Assim, nota-se que a exigência pela retificação das obrigações acessórias nas hipóteses aqui examinadas, ao fim ao cabo, refere-se muito mais a uma questão formal, de conveniência e transparência à Fiscalização para examinar a procedência das informações tardias apresentadas pelos contribuintes, do que o direito material em si decorrente destas informações retificadas.
Não obstante tais argumentos, não é possível olvidar a existência de posicionamentos suscitados no âmbito do CARF que alegam que a necessidade de retificação das obrigações acessórias são essenciais para apuração do direito creditórios, pois “longe de constituir mera formalidade, é essencial para permitir ao Fisco o controle de utilização dos créditos da Contribuição, afinal, se fosse possibilitada a apuração do crédito em qualquer período, a critério do contribuinte, a atividade fiscalizatória restaria inviabilizada, exigindo do Fisco a análise de até 5 (cinco) anos de atividades para recompor o crédito alegado em Pedido de Ressarcimento ou Declaração de Compensação de cada trimestre, como dito, inviável”[4].
Este também o entendimento exposto no voto vencedor proferido no Acórdão nº 3302-006.563, citado ao início, em que restou afirmado que “o direito ao crédito de PIS/COFINS não-cumulativo em período anterior ao qual não foi aproveitado, prescinde da necessária retificação da DACON e DCTF, ou de eventual comprovação da não utilização do crédito”. Ainda, neste mesmo julgado e de forma unânime, foi acolhido o entendimento de que a retificação é medida “essencial para que se possa constituir os créditos decorrentes dos documentos não considerados no DACON original e principalmente para que os saldos dos créditos do DACON nos meses posteriores à constituição possa ser evidenciado, propiciando, assim, a conferência da não utilização dos créditos em períodos anteriores”.
Portanto, nota-se que as justificativas adotadas em posicionamentos administrativos para aplicar a exigência acerca da retificação das obrigações acessórias, em especial no acima destacado, vão desde a criação de meios para facilitar a conferência dos dados novos informados pelos contribuintes, até a própria materialização do direito creditório apurado a partir das informações prestadas de forma extemporânea.
Ora, como já adiantado, não concordamos com essa interpretação em relação aos efeitos das retificações. O atendimento de determinadas formalidades, mesmo que tecnicamente fundamentadas e razoáveis para auxiliar os procedimentos de fiscalização, não podem se sobrepor ao efetivo direito material que decorre das reapurações levadas a efeito pelos contribuintes. Tal argumento se torna ainda mais presente se levarmos em conta as complexidades do sistema tributário brasileiro, em que a mera atividade de retificação de uma obrigação acessória como a EFD-Contribuições pode, imediatamente, desencadear outras dificuldades e penalidades aos contribuintes em caso de erros formais na execução de tais ajustes, especialmente pela quase sempre necessária retificação complementar de obrigações relativas a outros tributos que acabam impactados pela retificação da obrigação acessória original.
Ora, a suposta facilitação nos procedimentos de fiscalização e auxílio na identificação dos valores que as retificações das obrigações acessórias apontam, não pode se sobrepor ao direito material decorrente das reapurações levadas a efeito pelos contribuintes, sob pena de violação à verdade material e à própria legalidade.
Ao submeter o direito ao crédito ao preenchimento de obrigações de ordem formal o Fisco está, por via oblíqua, desbordando dos limites legais da imposição tributária.
A esse respeito, ao contextualizar a eventual dicotomia entre a verdade material e a verdade formal, tema que se torna presente na análise da exigência de retificação das obrigações acessórias e o direito creditório associado a tal retificação, Demetrius Nichele Macei[5] esclarece que “para a busca da verdade material, a apuração dos fatos é fundamental para que o fenômeno da subsunção ocorra perfeitamente, considerando a presença de todos os elementos do tipo tributário”, resultando que “a verdade formal é, portanto, absolutamente incompatível com os princípios da legalidade e da tipicidade fechada, inerentes à obrigação tributária”.
Por isso, no tema em análise no presente artigo nos parece mais adequado o posicionamento afirmado no Acórdão nº 3402-008.178, que ao tratar da glosa de créditos lançados de forma extemporânea em função da não retificação de obrigações acessórias, esclareceu que “os créditos à Contribuição ao PIS e à COFINS podem ser apropriados extemporaneamente, independentemente de retificação de declarações ou demonstrativos….tendo sido a necessidade de retificar tais documentos o motivo para glosa perpetrada pela Fiscalização, necessário rechaçá-la e reconhecer o direito ao crédito em questão”.
De igual maneira, destaca-se que ao analisar o direito à apropriação do crédito extemporâneo (PIS/COFINS) e a desnecessidade de retificação das obrigações como elemento essencial para constituição de tal direito, de forma muito didática, a Conselheira responsável pelo voto vencedor no acórdão acima tratou afirmar a observância da verdade material ao esclarecer que “o aproveitamento afora do mês em que os gastos foram incorridos depende da comprovação, via documentação inequívoca, de não aproveitamento anterior do crédito”, devendo a análise das regras que impõem as obrigações de retificação serem lidas “com essa preocupação em mente”.
Destarte, sob pena de violação à legalidade e em linha com o exposto no acórdão 3402-008.178, espera-se que em breve a Câmara Superior do CARF venha em breve a consolidar a posição de que, muito mais do que se observar a formalidade da retificação ou não das obrigações acessórias, há de se analisar a procedência dos fatos e fundamentos jurídicos que levaram o contribuinte a pleitear aquele direito creditório, seja um crédito escritural ou um crédito decorrente de pagamento indevido ou a maior, especialmente a prova do contribuinte quanto a não utilização daquele direito creditório em momento anterior, conforme muito bem afirmado no voto vencedor do acórdão citado acima.