CLIPPING DE NOTÍCIAS TRIBUTÁRIAS
Empresas estão conseguindo barrar, na Justiça, a tentativa da União de reduzir o valor dos créditos de PIS e Cofins gerados com a aquisição de bens e insumos. Em pelo menos duas decisões, o Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região, com sede em São Paulo, afastou o entendimento de que o ICMS deve ser excluído do cálculo.
Esse tema é um dos desdobramentos da chamada “tese do século”. Só que se aceito o posicionamento da União, pode provocar aumento de carga tributária para o contribuinte. A tomada de crédito faz parte da apuração de quem está no regime não cumulativo – praticamente todas as grandes empresas. A alíquota de PIS e Cofins, nesses casos, é de 9,25%.
Para calcular quanto deve, o contribuinte precisa separar as notas de saída, referentes às vendas realizadas no mês, das notas de entrada, que contêm o custo de aquisição de produtos que dão direito a crédito (insumos, por exemplo). É feito um encontro de contas entre esses dois grupos de notas e sobre o resultado aplica-se a alíquota.
O Supremo Tribunal federal (STF) decidiu, em maio, que a parcela do ICMS que consta na nota de saída – na venda dos produtos, portanto – deve ser retirada do cálculo do PIS e da Cofins. Os ministros consideraram que o imposto estadual não pode ser classificado como receita ou faturamento, que é a base de incidência das contribuições.
Com a retirada do imposto estadual da conta, a base de cálculo do PIS e da Cofins foi reduzida e, consequentemente, os valores a pagar ao governo ficaram menores. As empresas, além disso, têm o direito de receber de volta o que pagaram de forma indevida nos últimos anos. O custo dessa tese para a União está estimado em R$ 358 bilhões, segundo estudo do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT).
A Receita Federal vem defendendo, agora, que o mesmo critério tem que ser utilizado para contabilizar os créditos – ou seja, com a exclusão do ICMS das notas de entrada, referentes à aquisição de bens e insumos.
Aqui, o efeito é inverso: sem o ICMS, o valor do crédito diminui e a conta a pagar ao governo aumenta. Seria uma forma de a União reduzir o impacto da chamada “tese do século”.
Os desembargadores do TRF, no entanto, entendem que não pode ser dessa forma. A decisão mais recente foi proferida pela 3º Turma e beneficia uma indústria farmacêutica (processo nº 5000337-26.2017.4.03.6130).
É a primeira que se tem notícia desde que ganhou notoriedade, entre advogados, um parecer da Coordenação-Geral de Tributação (Cosit) sobre o tema. No documento, a Receita firma a sua posição – favorável à redução dos créditos – e pede à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) a “ratificação ou retificação” do entendimento.
Um dos principais argumentos é o de que a manutenção do ICMS no valor de aquisição dos bens que dão direito a crédito poderá provocar um “esvaziamento na arrecadação”.
“A decisão do TRF da 3ª Região, contra essa tese, é muito importante para os contribuintes e oportuna nesse momento porque esclarece desde já que são situações diferentes”, diz o advogado Maurício Faro, do escritório BMA.
Os desembargadores da 3ª Turma afirmam que a base de cálculo dos créditos é o preço da aquisição do produto. As leis do PIS e da Cofins estabelecem dessa forma. Já o cálculo dos pagamentos ao governo, frisam, leva em consideração o conceito de faturamento – consta em um outro trecho da legislação e foi objeto de discussão no STF durante o julgamento da “tese do século”.
“As relações não se confundem e não se comunicam. A decisão proferida no RE 574.706 [tese do século] em nada alterou a forma de apuração dos créditos, permanecendo incólume a legislação que trata do tema”, diz o relator, desembargador Antonio Cedenho, no voto. O entendimento foi seguido de forma unânime na turma.
Essa discussão sobre os créditos foi levantada pela PGFN por meio de embargos de declaração num processo ajuizado pela empresa para discutir a exclusão do ICMS da base de cálculo dos pagamentos de PIS e Cofins.
O outro caso, também julgado pelo TRF, foi concluído em junho pela 6ª Turma (processo nº 5003367-70.2019.4.03.6107). A companhia, aqui, optou por se antecipar a uma possível autuação da Receita. Isso ocorreu por conta de uma norma publicada pelo órgão.
Trata-se da Instrução Normativa nº 1911, de 2019. Essa norma revogou uma anterior, de nº 404, em que constava, de forma expressa, a possibilidade de tomar crédito sobre a parcela referente ao ICMS.
A norma de 2019 omitiu esse trecho do texto. Não diz que pode nem que não pode contabilizar a parcela do ICMS que consta nas notas de aquisição de bens e insumos.
Os desembargadores da 6ª Turma citam, na decisão, que o IPI – assim como o ICMS – também compõe o custo de aquisição de bens e não é descartado na tomada de créditos do PIS e da Cofins. “Admitida a situação para o IPI, não se vê o porquê de, em sede exclusivamente administrativa, refutar igual tratamento para o ICMS”, diz o relator, Luís Antônio Johonsom Di Salvo.
Ele acrescenta que qualquer mudança nesse sentido só seria possível por meio de lei. “Não se vê justificativa para a diferenciação almejada pelo Fisco quanto ao ICMS que não, aparentemente, a tentativa de minimizar as perdas decorrentes da decisão proferida no RE 574.706”, complementa o relator.
Há preocupação do mercado com o desenrolar desse tema. Especialmente em relação à possibilidade de a Receita Federal realizar cobranças referentes a anos passados.
“Vai ter autuação? Se sim, vai retroagir até a data do julgamento da tese do século, no STF, ou até 2019 quando foi publicada a Instrução Normativa? Existe essa insegurança e, se isso acontecer, haverá litígio. A tese do século vai acabar virando a tese do milênio”.
A União poderá ter ainda mais perda financeira se decidir seguir adiante com essa discussão. “Porque os novos litígios, no final, vão só onerar os cofres públicos. A expectativa, por todos os argumentos que estão postos e pelo cenário de anos dessa discussão, é favorável aos contribuintes.”
Pelo menos duas empresas, já foram cobradas por valores que teriam deixado de recolher nos últimos cinco anos. Foram autuadas depois de informar à Receita sobre o que têm a receber por conta de decisões permitindo a exclusão do ICMS do cálculo do PIS e da Cofins. Elas pretendiam utilizar tais quantias para quitar tributos correntes.
Subsecretário de Arrecadação e Cobrança da Receita Federal, Frederico Faber afirmou, naquela ocasião, no entanto, que não tratava-se de um movimento coordenado do órgão. Disse que aguardavam a publicação do acórdão da “tese do século” – o que ocorreu dias depois, em 12 de agosto – e emitiriam, então, um comunicado oficial aos contribuintes sobre a interpretação e operacionalização da decisão dos ministros.
As questões relacionadas aos créditos decorrentes da aquisição de insumos, ele disse, constariam nesse documento. Até ontem a Receita Federal não havia publicado nada nesse sentido.